O trabalho de resgate e o tratamento médico de equinos retirados das enchentes de abril e maio foram temas centrais de uma palestra realizada nesta segunda-feira (26/8) no espaço do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), durante a Expointer. O encontro foi conduzido pelo veterinário Guilherme Machado, proprietário da clínica Guadalupe, em Nova Santa Rita, local que abrigou dezenas de cavalos resgatados após ficarem submersos em diversas regiões do Estado.
Segundo Machado, o resgate de cavalos em uma situação inédita, na qual os animais ficaram com grande parte do corpo submerso, resultou nos primeiros diagnósticos da Síndrome de Imersão no Brasil. Até então, a doença era mais comum em humanos – os primeiros casos ocorreram entre soldados que permaneciam por longos períodos em trincheiras alagadas. Em animais, os primeiros casos foram diagnosticados na tragédia de Nova Orleans, nos Estados Unidos. O caráter inédito da patologia exigiu uma rápida adaptação dos veterinários envolvidos no tratamento, que recorreram aos poucos artigos científicos disponíveis sobre a doença.
“Por sorte, descobrimos que estava por aqui uma veterinária gaúcha, que já havia trabalhado em pesquisas sobre o assunto nos Estados Unidos, onde ela mora e atua. Fizemos o convite para que ela integrasse a equipe, o que foi fundamental para que pudéssemos fornecer um bom cuidado aos cavalos diagnosticados com a doença”, relatou Machado.
Devido às graves lesões de pele causadas pelo longo tempo de submersão, a Síndrome de Imersão pode provocar danos neurovasculares irreversíveis nos animais, principalmente pela penetração de bactérias na corrente sanguínea. O ressecamento acelerado da pele, que em alguns casos resultou em necrose, gerou lesões microvasculares profundas, o que facilitou a invasão bacteriana.
Para evitar o agravamento do quadro, a equipe de veterinários intensificou o tratamento das feridas com o auxílio de medicamentos doados, em uma força-tarefa que contou com o apoio de diversas pessoas da iniciativa privada e do setor público.
“A rede de voluntários e o apoio de diversas pessoas foram decisivos para podermos salvar mais animais. Com isso, conseguimos um grande volume de medicamentos para aplicar o tratamento intensivo e recuperar animais que estavam em situação muito delicada”, afirmou.
Dos 15 cavalos diagnosticados com Síndrome de Imersão, apenas cinco precisaram ser sacrificados, a pedido dos tutores que entenderam que os animais estavam em grande sofrimento. A última égua recuperada, chamada Pandora, recebeu alta na semana passada, após três meses de internação para tratar a doença.
Estima-se que aproximadamente 12 mil animais foram retirados das inundações – do total, calcula-se que 1,6 mil eram equinos. O caso mais conhecido, pela repercussão internacional que ganhou, foi o resgate do cavalo Caramelo, que ficou pelo menos 24 horas em cima de um telhado em Canoas, antes de ser salvo por uma mobilização entre as forças de segurança estaduais e nacionais. A estimativa é de que 1,2 mil equinos desapareceram ou morreram durante a catástrofe meteorológica.
De acordo com Machado, além das lições clínicas para a medicina veterinária equina, um dos principais aprendizados foi a necessidade de capacitar médicos veterinários e equipes de apoio para resgates em tragédias meteorológicas. Segundo ele, o aprimoramento da expertise dos profissionais que atuam no Rio Grande do Sul será fundamental para evitar danos maiores em futuros resgates em situações complexas, como em enchentes.
“Sempre torcemos para que isso não aconteça de novo, mas, caso ocorra, precisamos estar preparados para lidar melhor com essas situações. Isso pode salvar ainda mais vidas”, avaliou Machado.
Machado é um dos convidados do primeiro Ciclo de Palestras sobre Equideocultura, organizado pela Câmara Setorial de Equideocultura, da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), no estande do governo do Estado, na Expointer. A programação inclui, na quarta (28/8) e sexta-feira (30/8), um painel inédito sobre resgate de grandes animais, ministrado pelo professor Carlos Nogueira, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Em novembro, o Rio Grande do Sul deve receber a primeira capacitação para resgates de equinos em situações de catástrofe meteorológica.
Texto: Rodrigo Azevedo/Ascom Expointer
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