Ecossistema de inovação do agro brasileiro
Política de inovação e desafio de articular financiamento e visão de longo prazo
No Brasil, a Política Nacional de Inovação, (Decreto nº 10.534, de 28/10/2020) (Brasil, 2020a) estabelece governança para as políticas relacionadas ao tema, mas não assegura regularidade orçamentária oficial para Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Desde 2013 a deterioração das contas públicas e a crise fiscal pressionam os gastos obrigatórios em relação aos gastos discricionários, em que se encontram a maioria dos dispêndios com CT&I.
Soma-se a esse declínio que o tema CT&I vem perdendo espaço nas despesas apropriadas na Lei de Orçamento Anual (LOA). A redução orçamentária da última década resultará no atraso de pesquisas importantes para o País, impactando negativamente dinâmicas em ecossistemas de inovação, pois a falta de recursos tem levado à desarticulação do setor (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2021).
Um reflexo disso foi a diminuição de recursos oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o que levou a uma ação do Poder Legislativo culminando na Lei Complementar n.º 177/2021 (Brasil, 2021c). Esta proíbe a não aplicação de recursos do fundo, propiciando um salto significativo na disponibilidade orçamentária da União para o tema e mudança de paradigma para o fomento público à inovação nos próximos anos. Contudo, o cenário fiscal para os próximos anos, baseado no aumento de gastos obrigatórios do governo, no nível de endividamento público, na restrição imposta pelo teto de gastos e no rompimento da barreira definida pela regra de ouro, apresenta pressões pela redução do orçamento público (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2021).
Ainda nesse contexto, a intensificação nas mudanças e as elevadas incertezas no ambiente de CT&I impõem aos agentes, inclusive governos, a necessidade de atuar de modo rápido e fundamentado acerca das oportunidades e seus impactos. De modo geral, desafia a formulação e implementação de políticas com propósitos mais ambiciosos e de longo prazo, promovendo o direcionamento tecnológico e de setores específicos por meio de sistemas de aprendizado rápido bottom-up e do fortalecimento das capacidades dos atores dos ecossistemas, em especial, o uso dos estudos estratégicos antecipatórios (foresight) (European Union, 2020; Mazzucato; Penna, 2020; Thorstensen; Arima Júnior, 2020; United Nations, 2020).
Para o agro brasileiro, a Política de Inovação tem na Estratégia Nacional de Inovação, nos Planos de Ação para os Eixos de Fomento, na Base Tecnológica, na Cultura de Inovação, no Mercado para Produtos e Serviços Inovadores e Sistemas Educacionais, entre outros, instrumentos de operacionalização cujo objetivo é articular financiamento e necessidades estratégicas. Neles, há meios para equacionar soluções direcionadas para o desenvolvimento de ecossistemas regionais de inovação tecnológica, bem como o apoio à bioeconomia, principalmente no que se refere aos bioinsumos, além de ações em Internet of Things (IoT), Inteligência Artificial (IA) e proteção de dados (Brasil, 2021d).
A restrição orçamentária em CT&I traz desarticulação de redes de pesquisa, redução do número de bolsistas, evasão de cérebros para o exterior, perda de material biológico, obsolescência da infraestrutura com perdas irreversíveis, aumentando o hiato do Brasil em relação aos países avançados. A maior articulação da política de inovação no agro com a política de desenvolvimento regional e com a alocação dos recursos para a CT&I será chave para o novo ciclo de transformação do agro brasileiro. Contudo, o Brasil enfrentará desafios quanto ao financiamento e à governança para viabilização da sua visão de longo prazo, com implicações para a pesquisa agropecuária pública dependente do tesouro. Eles impelem os atores do ecossistema a construir novos modelos de negócio, com aproximação dos setores públicos e privados, e modelos de gestão mais ágeis e orgânicos do que os modelos atuais.
A intensificação nas mudanças e as elevadas incertezas no ambiente de CT&I impõem aos seus atores a necessidade de buscar alternativas de financiamento. Nos países da OCDE, a pesquisa agropecuária pública viu seus recursos reduzidos em média 1,5% por ano de 2009 a 2013. Além disso, enfrenta cobranças da sociedade sobre desafios mais complexos.
Riscos e potenciais de financiamento público para a pesquisa agropecuária
Nos países da OCDE, a pesquisa agropecuária pública viu seus recursos reduzidos em média 1,5% por ano de 2009 a 2013, em associação com custos crescentes. Além disso, enfrenta cobranças da sociedade sobre desafios mais complexos. Isso resulta em crescente demanda por reforma dos sistemas nacionais de pesquisa agropecuária, maior protagonismo do setor privado, diversificação de fontes de financiamento para ampliar a agenda pública de pesquisa.
Os gastos privados com pesquisa e desenvolvimento (P&D) agrícola e agroindustrial no mundo foram de 16 bilhões de dólares em 2000 (em valores de 2005) e de 31,2 bilhões de dólares em 2011 (valores de 2011), 86% em países de renda alta). Esses valores são impulsionados principalmente pelo aumento da demanda dos consumidores por produtos novos e diversificados, liberalização dos mercados de insumos e produtos nos países em desenvolvimento, oportunidades tecnológicas geradas com o avanço científico em nutrição, biotecnologia e tecnologias da informação e comunicação (TICs).
Esse quadro também impulsionou as organizações públicas de pesquisa mais importantes no mundo a buscar alternativas de financiamento e redefinir prioridades com o trabalho permanente de advocacy com grupos de stakeholders, bem como apresentam tendência a mais accountability, como o levantamento de dados confiáveis sobre impactos do investimento em pesquisa.
É importante destacar que os investimentos totais em pesquisa agropecuária continuam baixos no mundo se comparado ao potencial de retorno1, o que mostra que o investimento privado não é substituto perfeito ao investimento público em P&D (Beintema; Elliott, 2011; Heisey; Fuglie, 2018).
A tendência geral é que a pesquisa pública esteja voltada cada vez mais à produção de soluções com aplicações comerciais e valor público, contemplando também a inovação social. No Brasil, foi inaugurado recentemente o primeiro farmlab- chamado AgNest-, pela Embrapa e parceiros, possibilitando que agtechs e foodtechs tenham espaço colaborativo com infraestrutura e expertises diversas para criar, testar protótipos e demonstrar soluções inovadoras.
Sinais de avanços no quadro regulatório, na governança e na gestão das organizações públicas de pesquisa agropecuária
A mudança da estrutura agrária e dos ecossistemas de inovação e as novas formas de geração de valor, tendo em vista as novas demandas da sociedade, pressionam para a reforma das políticas de pesquisa agropecuária no mundo todo. Os países de alta renda adaptaram seus sistemas de pesquisa na área, visando mais bem posicionar a pesquisa agropecuária pública no ecossistema de inovação. As reformas das políticas de pesquisa agropecuária foram implementadas, principalmente, através de mudanças nos instrumentos de financiamento, eliminação de redundâncias, melhor divisão de trabalho em parcerias público-privadas (Heisey; Fuglie, 2018).
Nas cadeias/regiões mais desenvolvidas, os ecossistemas de inovação tendem a ser financiados por meio de editais competitivos, cofinanciados pelo setor privado, focados nas conexões da pesquisa com insumos e a agroindústria, por meio das parcerias público-privadas, incluindo contratos de transferências de tecnologia facilitados pelo financiamento público. Todavia, nas cadeias/regiões menos desenvolvidas, o ecossistema de inovação terá ação relevante de serviços de assistência técnica viabilizados pelo associativismo, agências de desenvolvimento e ONGs, articulando demandas em redes de inovação o que exigirá mudanças organizacionais nas organizações públicas de pesquisa e nos esquemas de financiamento, visando à maior articulação externa.
O abandono progressivo de esquemas de transferência lineares e hierarquizados com a mudança para uma visão integradora nos ecossistemas de inovação coloca as metodologias participativas e ágeis como uma forma de governança centrada nos atores, as quais estão alcançando resultados promissores. Contudo, há um longo caminho a percorrer para aproximar governo, academia e empresas (Fontagro, 2019). Dentre as possibilidades para essa aproximação, os living labs – conceito de espaços físicos colaborativos para cocriação de soluções inovadoras por um grande número de atores, atuando na lógica da inovação aberta – representam uma peça importante no atendimento às megatendências. No Brasil, foi inaugurado recentemente o primeiro farmlab, chamado AgNest, pela Embrapa e parceiros, possibilitando que agtechs e foodtechs tenham espaço colaborativo com infraestrutura e expertises diversas para criar, testar protótipos e demonstrar soluções inovadoras para o mercado e a sociedade em geral.
A tendência geral é que a pesquisa pública esteja voltada cada vez mais à produção de soluções com aplicações comerciais e valor público, dentro de uma cadeia de valor orientada ao mercado. Políticas públicas serão cada vez mais importantes para direcionar a pesquisa para a redução da pobreza, contemplando também a inovação social.
No Brasil, o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) teve sua efetividade reduzida ao longo dos últimos anos em razão da dependência dos recursos públicos, do financiamento de PD&I insuficiente e declinante, da redução do quadro de pessoal, da desatualização da infraestrutura, do relacionamento e cooperação incipiente com organizações privadas de P&DI (inter)nacionais, e da conexão insuficiente com a sociedade. O SNPA vem buscando caminhos para a ruptura de valores antigos, como a organização institucional hierárquica e centralizada, para aderir às novas formas de colaboração, cooperação, parcerias, horizontalidade e descentralização da gestão (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2015).
Algumas mudanças no ambiente vêm favorecendo uma transição, como o novo marco legal da CT&I e as novas práticas de gestão e de governança. Além disso, é importante reforçar o investimento em capacidades de foresight para subsidiar o desenvolvimento de novas concepções estratégicas, sinergias, convergências tecnológicas e de alocação e compartilhamento de recursos, além da busca de fontes de financiamento permanente (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2015).
Para operacionalização dessa transição, novos mecanismos de governança para estreitar relacionamentos com stakeholders externos e internos serão necessários. Além disso, aumentar a transparência, utilizando critérios claros e conhecidos de priorização de investimentos, é cada vez mais adotado. Há maior busca por eficiência e efetividade organizacional, visando à redução dos custos, mais foco e impacto. Assim, busca-se orientar o foco na pesquisa com aplicação e busca por parceiros diretamente envolvidos no problema em questão, utilizando abordagens territoriais das unidades de pesquisa, com prospecção sistemática de demandas e oportunidades (Embrapa, 2020).
Nesse contexto, novos sistemas de indicadores serão necessários, tendo em vista abordagem focada na mudança gerada por um conjunto de atores, e não mais apenas o produto gerado por cada ator. Essas abordagens de avaliação, por exemplo, estão evoluindo para análises territoriais na UE (Regional Innovation Scoreboard)2 (Fontagro, 2019). Assim, é cada vez mais presente a definição de indicadores sintéticos de investimentos realizados, resultados e impactos, com divulgação direcionada a stakeholders.
A Ciência Aberta preconiza maior acesso aos recursos educacionais, às metodologias e aos dados. Para que a ciência produza mais valor no apoio às políticas públicas é essencial envolver as organizações, as políticas, os processos, os sistemas e maior investimento em infraestrutura de dados, com tecnologias para coleta, armazenamento, gestão, distribuição e uso de dados.
Ciência mais aberta
Dentro do projeto da Unesco, Networking to Improve Global/Local Anticipatory Capacities – A Scoping Exercise, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) executou, em 2013, um estudo prospectivo sobre o futuro da ciência em 2040. Algumas possibilidades foram elencadas como a maior descentralização da ciência, com redes colaborativas internacionalizadas mais voltadas às necessidades sociais e ambientais, bem como para dar suporte às decisões de política pública e dos indivíduos, os quais passarão a ser mais bem informados cientificamente.
Na atualidade, a diversidade se torna o maior driver da inovação; a comunicação na rede científica se torna mais fluida; e os mecanismos de governança passam a ser mais abertos, informais, orientados a projetos, mais diversos e dinâmicos, para a emergência e adaptação ou extinção. Assim, as universidades e os institutos passam a coexistir com redes autogovernadas e auto-organizadas de cientistas em que financiadores têm papel importante; o acesso à informação é aberto; a confiança, a reputação, as competências e o compartilhamento exercem papéis preponderantes (Cagnin; Luzardo, 2018).
Para que a ciência produza mais valor no apoio às políticas públicas, dentre as estratégias para o avanço da ciência mais digitalizada, o investimento em infraestrutura de dados envolve as organizações, as políticas, os processos, os sistemas e as tecnologias para coleta, armazenamento, gestão, curadoria, distribuição e uso de dados. A digitalização acelera os processos de criação e simulação por meio do digital twin, além de reduzir custos.
Nesse contexto, a Ciência Aberta preconiza maior acesso aos recursos educacionais, às metodologias e aos dados, e maior reprodutibilidade. A tecnologia blockchain em seus princípios operacionais, como a descentralização, transparência, imutabilidade e abertura poderá encorajar, apoiar e melhorar a CT&I, pois impacta o acesso não somente aos resultados, mas ao próprio processo científico aberto.
A fonte aberta traz mais transparência em desenhos experimentais e bancos de dados. Os dados abertos melhoram a disponibilidade, confiabilidade, integridade e reutilização de dados de pesquisa, por meio do uso de blockchain. O compartilhamento evita o trabalho duplicado, mas possibilita maior replicabilidade, ou seja, aumenta a acurácia científica, trazendo maior confiabilidade e eficiência.
Tais avanços serão fundamentais para o alcance de compromissos internacionais, tais como os ODS, já que a ciência é um bem público em posição de trazer soluções aos desafios globais por meio de mecanismos descentralizados, como é o caso de oferecer plataformas de dados abertos para que a comunidade traga solução aos problemas do desenvolvimento sustentável, como saneamento, água potável, energia limpa e barata, bem como no caso dos desastres naturais, epidemias e mitigação dos efeitos adversos das mudanças do clima (Rachovitsa, 2018).
Muitas das inovações que atendem aos desafios em níveis e escalas local ou regional dependerão de estratégias coletivas para a governança e gestão de recursos coletivos. As cooperativas têm vantagens em escala, coordenação e assistência técnica, sendo importantes agentes de inovação tecnológica.
Cooperativismo conectando produtores
Muitas das inovações que atendem aos desafios coletivos em níveis e escalas local ou regional dependerão de estratégias coletivas para a governança e gestão de recursos coletivos (commons). Tais estratégias serão implementadas por meio de modelos de negócios cooperativos inovadores, inclusive para o uso de dados e outros recursos de forma compartilhada por meio do cooperativismo de plataforma.
As cooperativas têm vantagens em escala, coordenação e assistência técnica. Assim são importantes agentes de inovação tecnológica, pois elas assumem o papel de difundir as inovações entre os produtores associados, por meio de oferta de assistência técnica, financiamento, informação tecnológica e até mesmo comercialização de máquinas, equipamentos e insumos que carregam as inovações.
Em áreas como manejo do solo, cultivo, colheita e pós-colheita, por exemplo, as cooperativas já vêm se destacando, mas podem aproveitar mais oportunidades aproximando-se de agendas como rastreabilidade e agricultura digital (Buainain et al., 2021a). As cooperativas e outras categorias de entidades associativas estão bem posicionadas para explorar suas conexões em redes. Um bom exemplo disso é a trazido pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que desenvolveu o Inovacoop, uma plataforma para fomentar a inovação no ecossistema cooperativista, a qual já reúne 23 casos de inovação em cooperativas agropecuárias com potencial de escalabilidade na rede cooperativista.
O relacionamento das startups com atores públicos é importante para gerar fluxos de conhecimento, para o desenvolvimento, adaptação e resiliência do setor.
Startups em crescimento
A agropecuária envolve muitos stakeholders e perspectivas – fornecedores, produtores, processadores, segmento de logística e distribuição, atacado, varejo e consumo – que desenvolvem processos de interdependência entre os elos de cada cadeia produtiva e organizações relacionadas, constituindo ecossistemas empresariais. Cada vez mais, o papel das startups e dos brokers de inovação vem transformando esses ambientes em ecossistemas de inovação. O relacionamento das startups com atores públicos, como universidades, institutos de pesquisa agrícola e empresas de extensão rural, é importante para gerar fluxos de conhecimento, para o desenvolvimento, adaptação e resiliência do setor (Figueiredo et al., 2021).
No passado, o modelo de inovação era estabelecido em grandes empresas e centros de pesquisa, hoje esse processo passa necessariamente por startups, muitas delas nascidas e apoiadas por universidades. O crescimento das Agtechs é vertiginoso e tem sido estimulado por investimentos privados, o que não é comum na experiência brasileira de inovação (Buainain et al., 2021b). A recente aprovação do Marco Legal das Startups (Lei complementar nº 182/2021) poderá ampliar as oportunidades ao trazer mais segurança para os investidores anjos, que crescem em quantidade de investidores, em volume de capital investido e em ticket médio de cada investimento – que subiu de 85 mil reais, em 2011, para aproximadamente 130 mil reais, em 2020, em uma alta de 44%.
Outras alternativas, como o crowdfunding, também têm ganhado relevância. O volume de recursos captados por essas iniciativas saltou de 8 milhões de reais, em 2016, para aproximadamente 100 milhões de reais, em 2020 – um valor ainda pouco significativo para o universo do ecossistema nacional de inovação, mas que vem crescendo vertiginosamente. Em 2020, modalidades tradicionais do mercado financeiro, como venture capital e private equity, investiram 23,6 bilhões de reais em empresas brasileiras. Esse foi o segundo maior volume de investimentos desde o início da série histórica, em 2011, e manteve essas modalidades como líderes de investimentos na América Latina.
O setor público desempenha um papel importante no processo de alavancagem dos investimentos privados, por meio do estímulo ao mercado de capital de risco (venture capital) (Fundo Criatec I, BNDES) e da contribuição de órgãos públicos como a Agência Paulista de Desenvolvimento (Desenvolve SP), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Financiadora de Estudos de Projetos (Finep), além de organismos não públicos como o Sebrae e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (Buainain et al., 2021b).
Os investimentos brasileiros, em 2020, estão distribuídos por categorias, como segue: agricultura de precisão, 85,6 milhões de dólares; marketplaces, 27,6 milhões de dólares; e automação e robótica, 22,2 milhões de dólares (Pompeu, 2021). O ecossistema da agricultura digital explodiu nos últimos anos com o surgimento de uma miríade de empreendimentos agrotecnológicos e de outros a jusante da cadeia, em todo o mundo. Esse ecossistema digital mais amplo pode ser considerado um agri-stack digital e em função desse ecossistema empreendedor ser formado por empresas iniciantes no espaço agroalimentar, seu pipeline de inovação tem sido cada vez mais apoiado por capital de risco privado, em especial em alguns segmentos como o de tecnologias agroalimentares digitais (Barrett et al., 2020).
A pandemia de covid-19 intensificou ainda mais esse movimento, principalmente nas áreas de marketplace e fortaleceu o segmento de foodtechs. A questão da segurança e qualidade dos alimentos deverá motivar o desenvolvimento de soluções para garantir a sanidade e inocuidade, com mecanismos de rastreabilidade, controle e certificações, públicos ou privados, a partir de tecnologias digitais, como o uso de blockchain. Outras aplicações importantes devem se intensificar, com sistemas de tomada de decisão produtiva a partir de dados, e analytics, para monitoramento de produção e safra, rastreabilidade e também a construção de marketplaces para interligar produtores e compradores (Figueiredo et al., 2021).
As megatendências evidenciam a necessidade de cocriação de soluções inovadoras em ambientes colaborativos e interativos, por parte de diversos atores do ecossistema de inovação.
Papel do ecossistema de inovação nas megatendências do Agro
Ecossistemas de inovação detêm e geram conhecimentos tácitos e explícitos que constituem a fonte principal de agregação de valor a produtos e serviços. Um ecossistema de inovação eleva a eficiência entre seus componentes reduzindo os custos de desenvolvimento e elevando as chances de sucesso do processo inovativo.
Esse sucesso, por sua vez, depende de inovações por outros atores do ecossistema que atendam às mudanças externas requeridas pela inovação. Dessa forma, apoiar a organização e o desenvolvimento de ecossistemas de inovação, conforme Spinosa et al. (2015), gerará ganhos para os stakeholders, frequentemente, ameaçando a posição de outros, e criando externalidades como é o caso derivado da agregação de valor, que resulta no aumento do produto, e a receita de impostos.
Dada a heterogeneidade de participantes dos ecossistemas, há desestabilização das posições dos atores conforme evoluem as tecnologias, as organizações e as instituições. Apesar de composto por atores juridicamente independentes, os ecossistemas de inovação criam valor de forma conjunta (Konietzko et al., 2020), seus componentes (atores, instituições e tecnologias) agregam valor a produtos e serviços, resultando em benefícios para as organizações e consumidores (Merkan; Goktas, 2011).
Contudo, a distribuição do valor nas margens de comercialização dos atores das cadeias produtivas será sempre objeto de disputa, em que a estratégia de apropriação de valor determinará o sucesso na captura do valor. Nesse sentido, diversas formas de apropriação serão determinantes para o sucesso das organizações, visando se apropriar do valor gerado, desde a capacidade de determinar padrões, orquestrar uma plataforma de inovação e direcionar a trajetória tecnológica, usar instrumentos de proteção de dados, marcas, patentes e o segredo industrial.
Os ecossistemas de inovação tendem a ser financiados por meio de editais competitivos, cofinanciados pelo setor privado, focados nas conexões da pesquisa com insumos e a agroindústria, por meio das parcerias público-privadas, incluindo contratos de transferências de tecnologia facilitados pelo financiamento público. Nas cadeias/regiões menos desenvolvidas, há priorização do financiamento para que o ecossistema de inovação – geralmente com menor maturidade em relação às regiões mais desenvolvidas – se desenvolva e tenha papel relevante em vários elos das cadeias de valor de produtos.
Pode-se citar como exemplo a atuação em serviços de assistência técnica viabilizados pelo associativismo ou ação de startups com tecnologias sociais, agências de desenvolvimento regionais e ONGs. A iniciativa privada também participa, manifestando suas necessidades e oportunidades de soluções inovadoras em redes de inovação. Isso demanda mudanças organizacionais nas instituições públicas de pesquisa e nos esquemas de financiamento, com foco maior na articulação externa. Nas regiões onde o ecossistema está em fase de desenvolvimento, é necessária uma ação proativa de contato com o setor produtivo, que são usuários finais das tecnologias, para que eles manifestem as demandas, bem como participem do desenvolvimento das tecnologias.
A política de inovação no agro deverá dar ênfase nos ecossistemas locais (valleys) para lidar com desafios diversos colocados nas megatendências. Qual será então o papel dos ecossistemas locais de inovação? A estratégia de inovação em ecossistemas regionais deverá estabelecer uma proposta de valor, conforme Konietzko et al. (2020, p. 9): “uma proposta de valor do ecossistema descreve o valor pretendido no nível do sistema e a solução voltada para o cliente que surge das contribuições conjuntas de vários atores envolvidos”.
Outro ponto a salientar é que o fortalecimento dos ecossistemas locais é uma forma de diminuir a disparidade regional das capacidades de inovação, evidenciado pelo ranking das agtechs nas regiões do País. Ainda, vale ressaltar a importância dos ecossistemas locais/regionais nas regiões Norte e Nordeste no apoio à criação e desenvolvimento de agtechs voltadas às soluções para o perfil das demandas locais, no que os negócios de impacto poderão se destacar, inclusive com soluções na versão freemium.
Nessas regiões, aproximadamente 80% dos produtores são de pequeno porte, e buscam tecnologias que aumentem o retorno sobre o investimento e diminuam a penosidade laboral. São produtores com conhecimento das espécies tradicionalmente cultivadas com potencial para agregação de valor, conservação da biodiversidade e dos recursos naturais e do patrimônio cultural. Por fim, o ecossistema de inovação local é imprescindível para a implementação de estratégias de diferenciação de pequenos produtores rurais e agroindústrias de pequeno porte, além da inclusão digital.
No caso do ecossistema de inovação para a agropecuária brasileira dos anos 2040, essa proposta de valor deve, além de buscar a competitividade, ser compatível com as metas dos ODS. Nesse sentido, as soluções para desafios globais dependem da interação entre ecossistemas locais e fluxos internacionais de conhecimento, tanto para aportar inovações regionalmente, quanto para atestar alegações de funcionalidade de produtos e sua contribuição para a sustentabilidade. A contribuição das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) às políticas públicas e para os acordos internacionais será cada vez mais importante nesses temas.
Por fim, as megatendências mostram a necessidade de cocriação de soluções inovadoras em ambientes colaborativos e interativos, por parte de diversos atores do ecossistema de inovação, visando ao atendimento das necessidades futuras da sociedade e do mercado sob um modelo de governança orgânico e caórdico.